Porto Redux Releases 004* - Pedro Leão Neto


O projecto para o espaço público deve ser um processo mais informado e participado
Pedro Leão Neto


 

"O fracasso do debate da arquitectura nas instituições do poder ou, para o caso, de ser sujeita a debate em qualquer sítio, é um silêncio revelador. Enquanto os mecanismos existem para efectuar tal discussão, apenas discursos de boca sem nenhuma efectividade são conduzidos. O problema pode ser sintetizado, basicamente, da seguinte maneira: As instituições de arquitectura existentes – escolas, museus, sociedades profissionais, jornais profissionais e os profissionais privados – não conduzem ou desenvolvem nenhuma especulação moral acerca da sua própria constituição institucional e, por isso, não geram tal especulação crítica para além das fronteiras já existentes da arquitectura."

A critical Practice: American Architecture in the Last Decade of the Twentieth Century

Peter Eisenman (parágrafo traduzido a partir do texto da palestra annual Irwin S. Chanin Distinguished Professor of Architectural Lecture, October 1986: Cooper Union, New York)


 

Há cerca de seis meses atrás participei na mesa do seminário Arquitectura: Mediação + Intervenção organizado pela Porto Redux ou (re)habitar a cidade. A iniciativa deste evento partiu da vontade particular de um conjunto de pessoas ligadas à FAUP, onde estava representado o grupo de investigação CCRE (http://web.ccre.arq.up.pt/main/index.php) através de dois dos seus investigadores - Andrea Vieira e Luís Pereira – e eu próprio. Foi também possível interessar e obter a participação activa de diversos elementos de outras Faculdades e Instituições e ter mesmo o apoio da U. Porto. O acontecimento, que teve lugar nos meses de Abril e Maio (no novo Soho da cidade), no espaço oficina da Galeria Fernando dos Santos em Miguel Bombarda, teve como objectivo abrir a U. Porto e a Faculdade de Arquitectura à cidade, aproximando os seus docentes e alunos das problemáticas reais e emergentes sobre reabilitação e transformação urbana e despertar a consciência crítica dos cidadãos em geral e, em especial, das pessoas e instituições com maior responsabilidade e poder de decisão sobre a transformação do espaço urbano, a reabilitação do património arquitectónico e a encomenda do projecto de arquitectura na nossa cidade.

Um dos méritos desta iniciativa foi o de possibilitar um debate público entre um amplo leque de pessoas pertencentes a diversos quadrantes políticos e com ideias muitas vezes diferentes sobre como se deve gerir a polis e de como se deveria processar a transformação do espaço de cidade e a reabilitação arquitectónica. O debate dos seminários e o workshop com carácter interdisciplinar sobre a reabilitação do Mercado do Bolhão provou ser uma experiência muito rica e os seus projectos deram voz a novas ideias, estando para breve a sua exposição pública. É importante referir as diversas iniciativas que têm vindo a ser desenvolvidas por diversas organizações e grupos de pessoas preocupadas com a transformação da cidade e dos seus espaços identitários. Todas estas acções são uma prova de que a consciência crítica de um conjunto significativo de pessoas não está adormecida e que estas não se conformam com o facto de muitos dos edifícios e espaços da sua cidade serem votados ao abandono ou estarem a ser sujeitos a intervenções que não respeitam a sua identidade arquitectónica.

Acredito que a arquitectura como projecto de intervenção no espaço público pode servir como um processo e dispositivo interdisciplinar fundamental de intervenção na cidade capaz de interessar e integrar todos os diferentes actores do processo de transformação do espaço e edifícios públicos e enriquecer a relação dos habitantes com a sua cidade. No entanto, para que isso aconteça é necessário, entre outras coisas, que a arquitectura seja cada vez menos o acto isolado do arquitecto ou arquitectos preocupados com questões formais e de representação, e cada vez mais um trabalho informado por diversas áreas do saber que colocam questões (culturais, técnicas, sociais, económicas e outras mais similares) a que os arquitectos devem ser capaz de dar uma resposta válida em termos espaciais e formais.

Na verdade, o espaço urbano e a arquitectura possuem um conteúdo intelectual, são portadores de diversos significados sociais e são capazes de influenciar o estado físico e emocional de todos nós. Assim sendo, o processo de encomenda de projecto para o espaço público deveria possuir, entre outras fontes de informação, um maior conhecimento sobre como os cidadãos percepcionam e avaliam os espaços e os edifícios da sua cidade, bem como assegurar uma efectiva participação de todos os actores deste processo – instituições públicas, agentes económicos, sociais e culturais, e cidadãos. Se assim acontecer, a possibilidade do projecto de espaço urbano ser melhor compreendido por todos os cidadãos, conseguir responder de forma mais eficaz aos problemas interdisciplinares a que tem que dar resposta e ser um elemento mais integrador da sociedade é maior.

Os debates, a troca de ideias, a verbalização dos interesses e a participação dos cidadãos nos processos de transformação urbana são aspectos que caracterizam uma sociedade livre, democrática e responsável. Por isso, não devemos ter medo deles, mesmo quando são polémicos e pegados. É aqui importante chamar a atenção para o facto de confundir-se, muitas vezes, a discussão pública que é realizada nos últimos ciclos do processo de projecto urbano e arquitectura, com participação pública. Participação pública pressupõe um conjunto de acções que acompanhe todo o processo do projecto de intervenção no espaço público, desde o seu início, até ao final, e que permita informar o cidadão, questioná-lo relativamente a questões significativas da sua cidade, recolher a sua opinião e, por fim, realizar a discussão pública de diversas hipóteses e / ou projectos de intervenção para um determinado espaço. Ora, se nós formos capazes de efectivamente informar os diferentes grupos de interesse e o público e integrá-los no processo de encomenda da arquitectura pública e projecto urbano, isso irá enriquecer todo o processo e torná-lo mais democrático.

É essencial chamar a atenção para o facto dos sistemas web e Internet, na sua vocação pública e participativa, poderem eles mesmos contribuir para o crescimento de uma prática de participação pública, ao contrário de outras tecnologias que são fechadas ou só acessíveis a uma minoria. É também minha convicção que a racionalidade dos discursos, na acepção que Habermas lhe dá, que é a de que as verdades são socialmente validadas através da interacção comunicativa - pode garantir a efectividade de um espaço público democrático e que esse espaço, para ser genuíno, implica que os cidadãos sintam a necessidade de, e estejam predispostos a, participar nesse espaço público através de um diálogo racional.

Parece-me que a arquitectura é um elemento central e insubstituível como expressão e força cultural ao longo da história de todas as civilizações. No entanto, para que a arquitectura do nosso tempo seja o espelho dos valores democráticos e culturais de toda a sociedade é necessário existir a vontade e capacidade para efectivamente informar os diferentes grupos de interesse e o público e integrá-los no processo de encomenda da arquitectura pública e projecto urbano. Se nós formos capazes de efectivamente informar todos os actores do processo de transformação do espaço de cidade e integrá-los no processo de encomenda da arquitectura pública e de projecto urbano, isso irá enriquecer todo o processo e beneficiar a sociedade como um todo.

É assim necessário criar uma nova atitude e um outro envolvimento das pessoas e das instituições relativamente à forma como a cidade é gerida e de como o seu espaço urbano e arquitectónico é transformado. Os políticos e as pessoas com maior responsabilidade na gestão das instituições públicas têm que ser capazes de criar o espaço e o tempo para que exista uma genuína participação pública. É importante reafirmar a necessidade de abrir a U. Porto e em especial a FAUP à cidade, aproximando os seus docentes e alunos das problemáticas emergentes dos processos de transformação e reabilitação urbana actuais, levando desta forma para esse processo um acrescido potencial de ideias e criatividade. Por fim, os agentes económicos, culturais e de ensino devem contribuir para que o processo seja o mais participado e informado possível e o público tem que se mostrar interessado e participar de forma activa em todo este processo.

Pedro Leão Neto

Arquitecto

Outubro de 2008